terça-feira, 26 de julho de 2011

CONTRIBUIÇÕES DA OBRA “A INVENÇÃO DA CULTURA” DE ROY WAGNER PARA PESQUISA DOS TRABALHADORES RURAIS DA VILA DE SÃO JOSÉ DO ITAPORÃ-BA.

Por: Alex de J. Oliveira
Mestrando em Ciências Sociais/UFRB


RESUMO
O paper pretende demonstrar as contribuições da obra “A invenção da Cultura” de autoria do professor Roy Wagner para o desenvolvimento da pesquisa a questão da terra no recôncavo baiano: memórias de tempos de enfretamentos pela posse de terras na Vila de são José do Itaporã – BA / 1970 a 2000.

PALAVRAS CHAVES: cultura, antropologia, etnografia.

Por: Alex de J. Oliveira
INTRODUÇÃO

O nosso anteprojeto de pesquisa traz como proposta estudar os trabalhadores da Vila de São José do Itaporã a partir de suas memórias e cultura. Queremos compreender como esses homens e mulheres conseguiram permanecer no campo em um momento de grandes mudanças no Recôncavo baiano nas décadas de 1960 a 2000.
Para tanto acredito ser necessário demonstrar o que pretendo pesquisar para poder relacionar com o texto “A invenção da cultura” estudado na disciplina problemas e paradigmas da investigação social.
O nosso anteprojeto tem como foco a problematização da questão da terra no Brasil, pois essa temática tem sido discutida em debates acalorados que tem se desdobrado em movimentos sociais organizados em nossa sociedade como o MST .
Neste sentido, a escolha do tema representa uma oportunidade de colocar em evidência na academia um objeto de estudo significativo para os trabalhadores rurais da Vila de São José do Itaporã – BA, bem como para sociedade do Recôncavo Sul baiano.
A posse da terra em nosso país é um problema de tamanha relevância para nossa sociedade que perpassa toda a História do Brasil como um dos maiores entraves para a construção de uma sociedade que possibilite o mínimo de dignidade para os seus cidadãos.
No Brasil a questão da posse de terras devolutas remonta ao século XVIII . Sabe-se que a Lei de Terra aprovada em meados do século XIX não evitou que o posseiro adquirisse terras, como bem nos esclarece Barickman quando ele afirma que “a Lei de Terras, finalmente aprovada em 1850, mostrou-se completamente ineficaz para controlar a aquisição de terras devolutas por particulares no Recôncavo baiano”.
O fato é que os herdeiros dos primeiros posseiros, no inicio do século XX tinham muitos filhos, e ao falecer deixavam suas terras também como heranças. O número de filhos implicava em ter que deixar pequenas extensões de terras para os mesmos, os quais tinham duas alternativas; vender as terras e migrar para as cidades ou resistir a vender suas terras e criar estratégias de sobrevivências em meio às agruras do trabalho duro na roça .
Por conseguinte, em 1964 o governo militar editou o Estatuto da Terra (Lei nº. 4 504/64) para consolidar a regulamentação do uso e ocupação da terra no Brasil. Porém, essa lei não resultou em melhorias na vida do pequeno proprietário, ao contrario ela possibilitou que os fazendeiros agropecuaristas do Recôncavo angariassem empréstimos nas instituições financeiras que os permitiam comprar as terras dos herdeiros interessados em vender suas posses.
Portanto, queremos identificar e analisar a partir das memórias e da cultura dos trabalhadores rurais da Vila de São José do Itaporã - BA como eles construíram estratégias para permanecer em suas “terras” mesmo tendo ínfimas extensões que mal lhes permitia retirar o sustento para suas famílias.

1.1 CONTRIBUIÇÕES DA OBRA “A INVENÇÃO DA CULTURA” DE ROY WAGNER PARA PESQUISA DOS TRABALHADORES RURAIS DO SÃO JOSÉ DO ITAPORÃ.

Por se tratar de uma pesquisa onde a observação participante será de grande importância entendemos que o trabalho de Roy Wagner tem significativa relevância para nos ajudar a compreender o fazer etnográfico, na medida em que suas colocações nos alerta para visualizar a nossa inserção enquanto pesquisador na construção do objeto estudado. Para Wagner:
O fato de que o antropólogo opta por estudar o homem em termos que são ao mesmo tempo tão amplos e tão básicos, buscando entender por meio da noção de cultura tanto sua singularidade quanto sua diversidade, coloca uma questão peculiar para essa ciência (...) O antropólogo é obrigado a incluir a si mesmo e seu próprio modo de vida em seu objeto de estudo, e investigar a si mesmo (...) O antropólogo usa sua cultura para estudar outras e para estudar a cultura geral.

Como se pode notar, para Wagner o fazer etnográfico nos impõe a obrigatoriedade de termos consciência da nossa participação na construção do objeto e vai mais além, na medida em que demonstra que o pesquisar quando estuda outra cultura acaba transformando a sua própria cultura também em objeto da investigação.
Estudar a “cultura” rural, a vida, os costumes, valores, o modos de vida do povo de São José do Itaporã, bem como sua relação com a terra também será de certo modo compreender melhor como dimensionalizo a cultura na qual estou inserido a saber; a cultura urbana do recôncavo.
Outro ponto que acreditamos ser fundamental para compreender melhor o cotidiano dos agricultores do São José do Itaporã é o cuidado de não querer alcançar a objetividade absoluta durante a pesquisa e ao analisar os dados levantados, pois para Wagner o antropólogo:
Precisa renunciar à clássica pretensão racionalista de objetividade absoluta em favor de uma objetividade relativa, baseada nas características de sua própria cultura. É evidente que um pesquisador deve ser tão imparcial quanto possível, na medida em que esteja consciente de seus pressupostos; mas freqüentemente assumimos os pressupostos mais básicos de nossa cultura como tão certos que nem nos apercebemos deles.

Neste sentido o pesquisador deve ter em mente que de maneira nenhuma conseguira da conta de forma totalmente imparcial do seu objeto de estudo. A objetividade absoluta do seu objeto de estudo é uma utopia, pois para sua efetivação seria necessário que o pesquisador não tivesse cultura. É inevitável que a cultura do pesquisador não influencie na sua pesquisa. Não obstante, isso não implica que o cientista social não busque a imparcialidade.
Visualizar a cultura do povo de São José do Itaporã será de certo modo uma forma de nos tencionar no sentido de levar-nos a verificar não só as especificidades dos modos de vida desses trabalhadores rurais, mas compreender melhor a cultura na qual estamos inseridos. O que Wagner nos chama atenção é para o afastamento da ingenuidade de acreditar na possibilidade da imparcialidade total do pesquisador, o que de certo modo é impossível.
Para Wagner o pesquisador é o elo entre duas culturas, pois vivência ambas no processo de pesquisa de campo. Para ele é essa consciência que permite o cientista social conseguir captar elementos que podem ser descritos e explicados da cultura estudada. Em suas palavras ele diz ;
Para que o pesquisador possa enfrentar o trabalho de criar uma relação entre tais entidades, não há outra maneira senão conhecer ambas simultaneamente, aprender o caráter relativo de sua cultura mediante a formulação concreta de outra. Assim é que gradualmente, no curso do trabalho de campo, ele próprio se torna o elo entre culturas por força de sua vivência em ambas; e é esse “conhecimento” e essa competência que ele mobiliza ao descrever e explicar a cultura estudada.

Conviver com os trabalhadores do São José do Itaporã na pesquisa de campo teremos a consciência que somos um “elo” entre “mundos” tão próximos que fazemos parte de uma mesmo – povo brasileiro – mas que temos formas de nos relacionar diferenciada tanto com a natureza quanto uns com os outros. Entender que o cientista dentro do processo de pesquisa de campo é um elo entre duas culturas facilitara o entendimento melhor do outro, e a assimilação do choque cultural se dará de uma forma mais branda.
Sobre a construção do conhecimento após a pesquisa de campo Wagner diz que será necessário que o antropólogo tenha habilidades para produzir significados dentro de sua própria cultura para tentar explicar e tornar inteligível a cultura estudada para os seus pares. Ele diz os esforços do antropólogo:
para compreender aqueles que está estudando, para tornar esse conhecimento a outros irão brotar de suas habilidades para produzir significados no âmbito de sua própria cultura. Desse modo, o que quer que ele “aprenda” com os sujeitos que estuda irá assumir a forma de uma extensão ou superestrutura, construída sobre e com aquilo que ele já sabe. Ele irá “participar” da cultura estudada não da maneira como um nativo o faz, mas como alguém que sesta simultaneamente envolvido em sue próprio mundo de significados, e esses significados também farão parte.

Estudar a cultura, os relacionamentos dos trabalhadores rurais do São José do Itaporã, suas vivências, modos de vida, sua resistência em sair de suas terras, seus significados e representações em relação a terra, só se tornarão inteligíveis para meus pares dependo das “metáforas” que utilizemos dentro do nosso “campo cultural”. É capacidade de analise dos dados dentro do “campo cultural” que estou inserido que promoverá a construção de um conhecimento coerente sobre o povo em estudo.
Neste sentido, isto implica em dizer que o discurso científico produzido será resultado da colaboração de elementos de duas culturas que simetricamente se tencionam e se estudam e, por conseguinte, produzem significados sobre si mesmas transformando o pesquisador no “instrumento” captador dessas tensões de modo a ser capaz de falar do outro falando com ferramentas ( linguagem) que pertencem a sua cultura.

CONCLUSÃO


As contribuições de Roy Wagner para nortear o nosso processo de investigação, principalmente em relação ao trabalho de campo e a noção de cultura é fundamental, pois nos mostra de forma profunda a inserção do pesquisador e de sua cultura dentro do fazer etnográfico.
Wagner apesar de ser radical em alguns momentos, sobretudo em relação a existência de uma certa objetividade na pesquisa, ele não deixa de demonstrar as variáveis que transformam o objeto a ser estudado em participante dentro do processo de construção do conhecimento. Ele não nega a possibilidade de se conhecer outra cultura, apenas diz como se da esse conhecimento, a saber; dentro de um jogo de invenção de si mesmo e do outro, ou seja dentro da invenção da cultura do outro a partir da cultura de quem busca estudar e acaba estudando também a si mesmo.
A epistemologia de Wagner sobre o conceito de cultura nos alerta para a possibilidade da invenção desse conceito dentro da pesquisa de campo quando se da o choque cultural entre as partes envolvidas no processo de construção desse conhecimento – o pesquisador e seu objeto. Ele também alerta sobre como se da produção desse conhecimento após a pesquisa, mostrado que para que o trabalho tenha sentido para o pesquisador e seus pares é necessário que o mesmo tenha habilidade dentro do campo cultural em que esta inserido de modo a ser capaz de tornar inteligível o seu discurso.
O trabalho de Roy Wagner nos esclarece muito sobre o fazer etnográfico. As suas colocações apesar de radicais em relação à cultura traz elementos importantes para o entendimento deste conceito. Sobre a pesquisa de campo - in locus – Wagner se constitui leitura obrigatória e acabou por ajudar a desenvolver uma visão mais apurada sobre o objeto de nossa pesquisa.


REFERÊNCIAS

BARICKMAN, B. J. Um Contraponto baiano: Açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860 – RJ: Civilização brasileira, 2003.

LEWIN, H.(ORG.) Uma nova abordagem da questão da terra no Brasil: o caso do MST em campos dos Goytacazes. Rio de Janeiro, 7letras, 2005.

OLIVEIRA, A. J. Experiências, Cotidiano e Representações dos Trabalhadores Rurais de São José do Itaporã - 1960 / 1990. Monografia apresentada na conclusão do curso de Especialização em História Regional e local – UNEB/Campus V - digitada e deposita na Biblioteca do Campus V.

OLIVEIRA, A. M. C. S. Recôncavo Sul: terra, homens, economia e poder no século XIX. Salvador-Ba: UNEB 2002.

WAGNER, R. A Invenção da Cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2010.

Impasses e Possibilidades: a questão da terra no Brasil e sua relação com a construção do Estado Democrático brasileiro.

por: professor Alex de J.Oliveira
Mestrando em Ciêncas Sociais/UFRB

RESUMO
O artigo pretende discutir a questão da terra no Brasil buscando visualizar o impacto das legislações que se seguiram desde a lei de terras de 1850 que impediram e/ou dificultaram o acesso a esse bem pela população pobre e, não obstante, acabaram mantendo e legitimando o status quo da elite econômica agrária em diversos momentos da história do Brasil. Argumenta-se também que os impasses em relação à construção de políticas para implantar uma reforma agrária efetiva no país impossibilitou a democratização do acesso a terra e acabou acirrando as desigualdades sociais e econômicas que se perpetuam no Brasil contemporâneo.
PALAVRAS CHAVES: Terras, Legislação, Democracia.


Introdução
A questão da terra no Brasil é um elemento chave para se discutir as desigualdades e a construção da democracia. A riqueza e miséria nesse “país continental” resultaram de certa forma das políticas e das legislações implantadas em relação à aquisição de terras.
As legislações que se seguiram desde a lei de terras de 1850 sempre estiveram direcionadas para a manutenção dos grandes latifúndios e, não obstante, acabaram construindo dificuldades para que os libertos - no pós-abolição - e a população pobre não tivessem acesso à terra de forma legal.
Essa estratégia do governo brasileiro desde o Império acabou por caracterizar o aspecto ideológico do Estado , pois o mesmo sempre buscou manter e legitimar o status quo da elite econômica dominante se utilizando de forma consciente e, em muitos casos de forma arbitraria de leis que defendessem exclusivamente os interesses aristocráticos.
A lei de terras de 1850 é um grande exemplo da estratégia de manutenção dos status econômico e social da aristocracia, pois sabendo da iminência da abolição e da chegada dos imigrantes elabora-se a lei com dupla finalidade, a saber; primeiro de impedir que os alforriados tenham acesso a terra, e segundo de criar condições legais para que o imigrante europeu tenha dificuldades para adquirir-las .
É verdade que mesmo após a lei de terras algumas famílias lutaram para sobreviver com pequenas extensões que adquiriram por meio de ocupação ilegal. As terras do interior do país pertencentes ao Estado e em alguns casos da Igreja Católica foram ocupadas por pessoas livres pobres e por alforriados, uma vez que o Estado brasileiro não tinha condições de fiscalizar todas as terras do interior .
Não obstante, isso não implica em dizer que a lei de terra foi inútil. Ela se constituiu como a base onde se assentou a estratégia de manutenção do status quo da elite econômica brasileira, na medida em que dificultava o acesso à terra de forma legal pelos libertos e imigrantes.
Seja por meio da lei ou de um modo “mascarado”, na informalidade das relações econômicas e sociais a elite econômica agrária limitou o acesso da população livre pobre a bens matérias como a terra. Esse fato possibilitou a formação de uma mão-de-obra que foi explorada tanto no campo quanto nas cidades na transição do trabalho escravo para o trabalho livre no Brasil e, não obstante, acabou agravando as desigualdades sociais e econômicas do país.
A aristocracia brasileira não permitiu a participação dos libertos e pobres nas decisões políticas do país quando a República foi implantada, mas antes reelaborou os meios de exploração herdados do período escravista para manter o seu status quo. O professor Fernando Pedrão ao se referi ao período Republicano no pós-abolição afirma :
Ainda é como se a sociedade urbana pós-escravista pudesse manter-se sem utilizar meios de exploração herdados da situação anterior e praticados de modo informal, mas legitimado. Entretanto, este problema se reproduz de diversos modos, desde a desigualdade das condições de mobilidade entre grupos de renda e grupos étnicos até o controle ideológico representado pela própria leitura da história.

No pós-abolição e na nascente República a elite econômica urbana e agrária continua explorando os libertos agora não mais de uma forma legal, mas na informalidade das relações de trabalho legitimada por dois aspectos da ideologia dominante; a “ideologia da subsistência e da ascensão social pelo trabalho” .
A dificuldade de acesso a terra no pós-abolição levou os libertos e a população pobre a migrar para os centros urbanos se sujeitando a todo tipo de trabalho . A falta de acesso a terra acabou por construir uma mão-de-obra nas cidades que foi explorada em sua maioria nos trabalhos braçais. No campo essa mão-de-obra foi explorada pela elite econômica agrária tão quanto foram os escravos.
Por conseguinte, esses trabalhadores além da exploração que sofreram foram excluídos de uma participação efetiva na política do país, pois à eles foram negado o direito de votar e serem votados. Essa “anulação” política dos trabalhadores permitiu que a aristocracia elabora-se leis que impediram o acesso dos mesmos a terra e a outros benefícios sociais .
Não obstante, na segunda metade do século XX o movimento das ligas camponesas buscou lutar pelo fim da exploração dos trabalhadores rurais e expropriação de terras efetiva no país, porém acabaram sendo silenciadas com a implantação da ditadura militar que acabou criando o “Estatuto da Terra”, o qual favoreceu ainda mais à acumulação de capital e de terra pela elite agrária. Na verdade o Estatuto da Terra foi à tentativa de construir uma “mordaça” para calar o “grito” daqueles que lutavam pelas “Reformas de Base” propostas pelo presidente João Goulart.
Após a democratização do país, os princípios da ditadura em relação a permanência dos latifúndios, de certa formar continuam em prática, pois a questão da terra é tratada como pauta principal na época das eleições. As políticas em relação à terra apenas remediam, mas não resolvem efetivamente problema.
Todos os projetos de reforma agrária propostos pelos governos democráticos no Brasil não foram efetivados de forma satisfatória, e esse fato tem impulsionado ao aparecimento de movimentos sociais como o MST, o qual mesmo com suas contradições internas, tem se mostrado como um movimento capaz de tencionar o governo levando o mesmo a construírem políticas na direção da construção de assentamentos para inúmeras famílias brasileiras.
Por tanto, discutir a questão da terra no Brasil é uma tentativa de demonstrar que mesmo com a democratização do país a partir da segunda metade da década de 80 do século XX a distribuição da terra ainda continua sendo um impasse dentro de diversas possibilidades para democratização das riquezas do país.

Impasses e Possibilidades: a questão da terra no Brasil e sua relação com a construção do Estado Democrático brasileiro.

A questão da terra no Brasil tem sido discutida em debates acalorados que tem se desdobrado em movimentos sociais organizados em nossa sociedade contemporânea como o MST .
A posse da terra em nosso país é um problema de tamanha relevância para nossa sociedade que perpassa a história do Brasil como um dos maiores entraves para a construção de uma sociedade que possibilite o mínimo de dignidade para os seus cidadãos.
Diversas legislações foram elaboradas pelo governo português com a finalidade de organizar a distribuição das terras no Brasil Colônia. Durante o processo de início da colonização que as grandes extensões de terras foram doadas para os “homens de bem ” que viessem implantar empresas de cultivo de cana-de-açúcar e/ou explorar suas riquezas naturais.
É a partir da implantação do sistema de Capitânias Hereditárias na colônia pelo governo Português que se inicia o processo de partilhamento das terras do atlântico sul entre os nobres portugueses que tivessem interesses em investir na colônia. Não obstante, esses nobres chamados de donatários tinham a incumbência de explorar as riquezas de suas terras, fundarem Vilas e doarem Sesmarias .
Esse modelo de aquisição de terras se perpetuará até a criação da lei de terras em meados do século dezenove. As Sesmarias e os Morgados permitiram que poucas famílias tivessem acesso a grandes extensões de terra no Brasil, de modo que mesmo após a lei de terras continuaram detentoras de latifúndios que os permitiram, de certo modo, terem papel decisivo na política e na economia no Império e na República.
Por conseguinte, isso não implica em dizer que a população pobre não teve acesso a pequenas extensões de terra no interior do país, pois a questão da aquisição de terras “devolutas” no Brasil, remonta ao século XVIII, uma vez que os “roceiros pobres” construíam suas casas em terras do governo desenvolvendo a prática da “posse de fato”, juridicamente ilegal, mas que se popularizou como um mecanismo alternativo de aquisição de terras até mesmo após a lei de terras de 1850.
Se por um lado toda política de Estado estava voltada para favorecer a elite econômica brasileira, sobretudo em relação à aquisição de terras, por outro não implica em dizer que colonos pobres não construíram estratégias para burlar o sistema, pois no interior do Brasil Colônia e Império as terras do governo e mesmo da Igreja Católica eram adquiridas por meio da “posse de fato” pelos “Roceiros livres ”.
Neste sentido, a lei de terra aprovada em meados do século XIX não evitou que o posseiro adquirisse “as terras devolutas”, como bem nos esclarece Barickman ; “a Lei de Terras, finalmente aprovada em 1850, mostrou-se completamente ineficaz para controlar a aquisição de terras devolutas por particulares no Recôncavo baiano”.
Pode-se pensar que apesar da existência de uma legislação referente à posse de terra no país em meados do século XIX, pessoas desfavorecidas de bens matérias acabavam adquirindo terras com a estratégia da “posse de fato” desde meados do século XIX. Muitos roceiros pobres tornara-se pequenos posseiros adquirindo terras devolutas com a “posse de fato” , posse essa que se fragmentava em heranças deixada pelo posseiro para seus filhos .
Não obstante, a lei de terras verdadeiramente foi um marco na história do Brasil , seja porque a Império estava pressionado pela conjuntura internacional no que diz respeito a acabar com a escravidão, seja pelo interesse interno da elite agrária brasileira que sabendo da possibilidade da aquisição de terras pelos libertos e roceiros pobres acabou elaborando uma lei com a finalidade de dificultar àqueles que nada tinham de adquirir terras .
É preciso ressaltar que a lei de terras não tinha apenas o caráter de impedir a aquisição por parte dos alforriados, libertos e roceiros livres, mas também implicava em criar dificuldades para o imigrante europeu adquirir terras. A intenção do governo Imperial era levá-los a trabalhar nas lavouras de café do oeste paulista e ao mesmo tempo fazê-los imaginar que pela renda adquirida no trabalho nas lavouras poderiam comprar terras .
Nesta conjuntura, um liberto, imigrante ou roceiro adquirir terra significava conquistar a liberdade em relação a exploração de sua mão-de-obra nas lavouras da aristocracia. Para Martins sendo o trabalho escravo o acesso a terra poderia ser livre, porém tornado o trabalho livre a terra obrigatoriamente deveria torna-se “cativa”, por isso a lei de terra foi criada para dificultar a conquista da “verdadeira liberdade” pelos ex-escravos e pela população de pobres explorados pela elite econômica agrária .
Com a lei áurea muitos libertos e “roceiros livres ” são impelidos, de certo modo a continuarem a ser a mão-de-obra explorada pelos fazendeiros, pois a impossibilidade de aquisição de terras levou os mesmos a se submeterem a todo tipo de trabalho tanto na espaço urbano quanto no espaço rural.
Para manter a exploração dos libertos e roceiros pobres a aristocracia utilizou segundo afirma Martins, da “ideologia da subsistência”. Esse pensamento colocou os libertos em uma posição de subserviência em relação aos fazendeiros levando os mesmos a trabalharem para os coronéis em troca de concessões e favores dos mesmos, como por exemplo, utilizar suas terras em pequenos roçados .
Não obstante, a exploração dos imigrantes europeus estava assentada na ideologia da “acessão social por meio do trabalho na lavoura de café”. Para Martins esse pensamento foi produzido pelos interesses dominantes no final do século XIX e início do século XX e acabou ocultando a exploração capitalista originária no trabalho livre brasileiro na nascente República .
Por toda República a questão da democratização da terra não é abordada com seriedade. Poucas leis foram criadas para tentar amenizar o problema, mas nunca resolver de fato a questão da acumulação de terras por parte da elite agrária em detrimento de uma população imensa de “sem terras” no país.
Na República Velha o governo provisório decretou que todas as terras devolutas passassem a pertencer à União de modo que os Estados não poderiam doar mais essas terras às pessoas que poderiam povoá-las. Esse fato gerou muitas disputas no Congresso Nacional de modo que a lei foi revista retornando as terras para os Estados .
Na verdade as terras devolutas estando em poder dos Estados serviram como status de poder onde políticos e coronéis manipulavam os votos dos seus trabalhadores e afilhados concedendo-lhes pequenas extensões de terras apenas para trabalharem. Nem mesmo o golpe de 1930 mudou a configuração da distribuição de terras no Brasil, pois permaneceu a desigualdade de sua distribuição. Poucos avanços foram acrescentados de 1930 até 1946.
Por conseguinte, na ditadura militar edita-se o Estatuto da Terra e a lei 6.383, de 7 de dezembro de 1976 para consolidar a regulamentação do uso e ocupação da terra no Brasil. Porém, essa lei não resultou em melhorias na vida do pequeno proprietário, ao contrario, ela possibilitou que os fazendeiros agropecuaristas angariassem empréstimos nas instituições financeiras que os permitiram comprar as terras dos pequenos proprietários interessados em vender suas posses.
Após a redemocratização do país a partir de 1985 a questão da terra não foi vista como prioridade pelos governos que têm se sucedido na presidência e a reforma agrária passou a ser promessa de palanques em momentos de eleição. A constituição de 1988 abriu brechas para a desapropriação de terras improdutivas com a finalidade de se fazer a reforma agrária, mas apesar de algumas desapropriações o número de assentados ainda é muito irrisório dentro do universo do “sem terras” no Brasil.
Os avanços conquistados com a democratização do país se da, sobretudo, na liberdade que os movimentos sociais têm para se organizarem com a finalidade de reivindicar do governo políticas que visem assentar famílias dando-lhes condições de produzirem e de terem qualidade de vida.
Essas reivindicações e tencionamentos dos movimentos sociais como o MST levou o governo a assentar milhares de famílias no Brasil, o que ainda é muito pouco em relação a divida histórica do Estado brasileiro com a população oriunda das camadas desfavorecidas economicamente.
Para Sauer os modelos político-econômicos brasileiros têm sido historicamente baseados na grande propriedade latifundiária e esses adquirem novas dimensões, mas não mudam significativamente devido aos constantes pactos e rearranjos no poder entre os setores das camadas dominantes urbana (setor industrial e financeiro) e a oligarquia rural.
Portanto, pode-se dizer que a questão da terra é um problema que merece ser discutido de modo a se encontrar caminhos que possibilitem a implantação de políticas que resolva de fato as demandas históricas de negação ao acesso a terra por inúmeras famílias brasileiras.
A negação histórica da aquisição de terras pela população pobre coloca em cheque a própria democracia brasileira, na medida em que as riquezas do país não são democratizadas e continuam sendo privilegio de uma pequena parcela da sociedade.
A terra enquanto bem básico para o trabalho de milhares de pessoas que preferem viver no espaço rural retirando dela o seu sustento é negada contundentemente pelo governo brasileiro que cria leis para legitimar os latifúndios ainda existentes no país.
O tencionamento dos movimentos sociais em relação à implantação de políticas públicas direcionadas à distribuição de terra reflete também a exclusão política e a marginalização social de uma grande parcela da população rural brasileira, pois como afirma Martins, “ao logo da história do Brasil os camponeses sempre foram colocados de fora dos pactos políticos das elites agrárias”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história do nosso país mostra como o governo tem tratado a questão da terra, pois a negligência em enfrentar o problema parece ser resultado de um comprometimento de todos os governos que se sucedem no país em disfarçar ou camuflar a divida histórica com a população pobre sem terra.
Por conseguinte, a divida em relação à implantação de uma política de reforma agrária efetiva em nosso país coloca em cheque o sentido pleno da ideia de Democracia brasileira, uma vez que as demandas da população pobre pela aquisição de uma porção de terra se mostra cada vez mais acentuada e ressoa por meio dos movimentos sociais que tencionam o governo na busca da efetivação da democratização do acesso a terra àqueles que foram negada no passado.
A história do Brasil encontra-se impregnada pelas evidências do trato do governo com a questão da terra. O fato é que esse meio de produção sempre se constituiu como um meio de manter o status quo daqueles que são a burguesia agrária brasileira.
O fato é que possuir terra no Brasil é ter poder, a saber; poder político e poder econômico. Nesta conjuntura, onde o poder está nas mãos de quem possui terras e dinheiro as pessoas pobres são sempre usadas como “massa de manobra” para serem exploradas e servirem de legitimadoras por meio do voto da situação de “negação de direitos” que se perpetua por séculos no país.
Se ao liberto e ao roceiro fora negado o direito de ter um “pedaço de terra” para trabalhar e sustentar a sua família, hoje negasse o mesmo direito ou em raros casos concede-lhe terras sem lhe dar nenhuma estrutura para produzir e ter o mínimo necessário para possuir qualidade de vida.
A questão da terra no Brasil é a agenda mal resolvida desde o período Império e carece de uma ação pragmática e organizada no Brasil contemporâneo com a finalidade de sanar as mazelas que resultaram de erros sucessivos que se tornaram um impasse para a plena democratização das riquezas, da participação política e do desenvolvimento de uma nação com potencial territorial invejável.
Portanto, se para alcançar a verdadeira democracia, a qual consiste não só na efetivação da possibilidade do cidadão votar e ser votado, mas vai na direção da plenitude da justiça social e da divisão equitativa das riquezas, o Brasil encontra-se com o grande impasse da sua história que precisa ser levado a sério e de forma cabal democratizando o acesso a terra para as famílias pobres brasileiras.













REFERÊNCIAS
ALTHUSSER, L. Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro, Graal.

AZEVEDO, Fernando de. As Ligas Camponesas. São Paulo: Paz e Terra, 1982.

BARICKMAN, B. J. Um Contraponto baiano: Açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860 – RJ: Civilização brasileira, 2003.

LARA, S. H. Escravidão, cidadania e história do trabalho no Brasil. In: Projeto História: Revista do programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, nº 16, São Paulo: EDUC, 1998.

LIMA, R. C. Pequena história territorial do Brasil: Sesmarias e Terras Devolutas. 4.ed. Brasília: ESAF, 1988.

LEWIN, H.( ORG.) Uma nova abordagem da questão da terra no Brasil: o caso do MST em campos dos Goytacazes. Rio de Janeiro, 7 letras, 2005.

MARTINS, J. A reforma Agrária brasileira e o papel do MST. In: STEDILE, J. P. (org.) A Reforma Agrária e a luta do MST. Petrópolis, Vozes, 1997.

MARTINS, J. Caminhada no chão da noite: Emancipação política e libertação nos movimentos sociais do campo. Hucitec, São Paulo, 1989.

MARTINS, J. M. O cativeiro da terra. São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas, 1979.

NOZOE, N. Sesmarias e apossamento de terras no Brasil colônia- FAE/ USP. 2002

OLIVEIRA, A. M. C. S. Recôncavo Sul: terra, homens, economia e poder no século XIX. Salvador-Ba: UNEB 2002.

OLIVEIRA, A. J. Experiências, Cotidiano e Representações dos Trabalhadores Rurais de São José do Itaporã - 1960 / 1990. Monografia apresentada na conclusão do curso de Especialização em História Regional e local – UNEB/Campus V - digitada e depositada na Biblioteca do Campus V.

PEDRÃO, F. Novos e velhos elementos na formação social do Recôncavo da Bahia de todos os santos. IN: Revista do Centro de Artes, Humanidades e Letras vol. 1, 2007.

SANCHES, A. T. A questão da terra na República: o registro torrens e sua ( in) aplicação. Dissertação de mestrado em teoria geral do direito pela universidade de São Paulo; 2088.

SAUER, S. Terra e modernidade: a reinvenção do campo brasileiro. São Paulo: editora Expressão popular, 2010.

SCHWARTZ, S. Escravos, Roceiros e Rebeldes. EDUSC. São Paulo: 2001.